quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Contraponto (2)

Foi postada no Facebook uma carta aberta de autoria de ANDRÉ PAES LEME, em resposta à minha. Resolvi publicá-lo em destaque porque é muito bem articulado, e toca em aspectos fundamentais da questão.

O post imediatamente posterior contém a minha resposta. 

Discordo de TUDO que o  André está dizendo, conforme vocês verão. Mas não posso deixar de reconhecer a qualidade de seu texto e, acima de tudo, a coragem e honestidade intelectual que estão por trás de sua tecetura.


“Por mais paradoxal que possa parecer à primeira vista, até mesmo um comportamento assumido no exercício de um direito [DE GREVE] deve, sob determinadas circunstâncias, ser considerado [pelo Estado] uma violência.” (Walter Benjamin)

É assim que Benjamin caracteriza o exercício do direito de greve, concedido pelo Estado, porém caracterizado como arbitrário e violento, quando, por assim dizer, GENERALIZA-SE. O ensaio do autor ressalta o caráter transitório sobre o qual repousa qualquer direito que, em ato, possa vir a confrontar o ordenamento de direito que o promulga. Geralmente, nesses casos, o Estado - e seus apologetas - o classificam como VIOLÊNCIA. O contexto analisado por Benjamin remete à greve operária. Acreditamos, porém, que seus conceitos possam oferecer alguma luz para melhor visualizarmos situações tais como as greves estudantis.

Trata-se aqui de discutir algumas das implicações dessa caracterização feita por Benjamin no âmbito estrito da greve em curso dos estudantes da USP, mais especificamente, dos estudantes de FILOSOFIA. Propomos então uma reflexão sobre os últimos episódios ocorridos no depto. e as reações que acabaram desencadeando.

O professor João Vergílio acusa os estudantes de filosofia, em greve, de se utilizarem de violência, ou melhor, de um certo “cálculo” da violência, para interromperem suas aulas. Para isso, baseia-se no direito constituído que o garante ministrá-las e, aos demais estudantes, assisti-las. Diz ele: “Um professor ou aluno que entra em sala de aula contrariando decisões de uma assembleia [...] Sente que está simplesmente exercendo seu direito de ir e vir, pois não atribui nenhum valor às decisões tomadas pelos colegas.” É uma pena não haver espaço
aqui para analisar, com o necessário cuidado, a tendência notoriamente presente nos setores conservadores mais ligeiros, dos quais boa parte dos editoriais de mídia impressa e os programas televisivos de temática policial são um exemplo flagrante, de utilizarem-se do direito constitucional de ir e vir para operar a desqualificação de todo tipo de conflito social que se faça visível por meio de manifestações, passeatas, greves, etc... Mas, para além disso, já que o Profº raciocina no sentido de legitimar a ocorrência de suas aulas a partir do princípio da legalidade que defenderia tanto quem as ministra quanto quem as assiste, talvez fosse o caso de nos perguntarmos a que violência ele se refere. Segundo Freud: "É um erro de cálculo [seria esse o cálculo que o Profº nos atribui?] não considerar que o direito em sua origem foi VIOLÊNCIA BRUTA e que ainda hoje não pode prescindir do apoio da VIOLÊNCIA."

Isso significa que há uma permanente tensão que perpassa todo e qualquer ordenamento jurídico, isto é, a tensão entre direito e justiça. A ideia de justiça nunca se esgota em suas representações jurídicas e nas instituições de direito que a ela buscam se ajustar. Não pretendemos com essa constatação, no entanto, estabelecer um relativismo que autorize o uso indiscriminado da violência (de qualquer espécie), o que seria insensato. Reconhecemos que é impensável uma ideia de justiça que não incorra em um direito, em um estabelecimento da legalidade, em larga medida, que não se mova a partir de um Estado constituído. Mas não podemos deixar também de reconhecer, juntos de Jacques Derrida, por exemplo, que “aquilo que pretende ter força de lei inscreve, portanto, o apelo à força no próprio conceito de sua autoridade. O risco de tirania não espera mais, ele espreita na origem da lei”. Assim, pretendemos mostrar que, a contrapelo do que sustenta o profº João Vergílio, em sua enxurrada de textos dos últimos dias, a interrupção de aulas não
é um ato que caiba na oposição Violência X Direito (oposição largamente problemática), pois tratam-se ambos, grosso modo, de momentos distintos de um mesmo ato, sendo a violência a porta pela qual o direito se instala e, mais tarde, a arma pela qual ele se defende. Podemos inferir que a própria estrutura da sala de aula, amparada pela legalidade do direito, é um dos espaços, por excelência, para a ação livre da VIOLÊNCIA SIMBÓLICA imposta pela ordem constituída. A violência que constitui o direito persiste, mas de maneira velada. No correr de uma relação pedagógica professor e aluno podem não ser diretamente violentados por atos ou palavras, mas o background, os valores impressos no aprendizado e a primazia discursiva são de quem? A relação exercida é sim uma relação de poder em que o mais forte se impõe sobre o mais fraco, através de uma forma de violência, que, por não ser problematizada, cristaliza-se como um dado, um fato inevitável. Daí decorre que se afirme, contra um cadeiraço, que a sala de aula é o “lugar natural” das carteiras, ou que o “conhecimento” se cale na ausência de aulas. Concordamos que a sala de aula é sim o espaço das carteiras, mas a própria diagramação espacial dela é fruto de uma violência simbólica, ao menos, tanto quanto o ato de retirá-las da sala.

Gostaria também de ressaltar que as “ações grevistas” dos estudantes de Filosofia foram pautadas desde o início pelo diálogo e o respeito a professores e estudantes de posições contrárias e/ou indiferentes à greve. Assim, apenas ontem fora utilizado o cadeiraço como forma de interrupção das aulas (Um erro na opinião de quem aqui escreve, mas tem a clara percepção de que condená-lo a partir da exaltação do direito incorre em uma forma cínica de “fazer cumprir a lei”, a despeito da natureza política do conflito). Nossos piquetes tem
sido pautados pelo diálogo e pelo respeito a posição de professores e demais estudantes.

Trata-se da entrada (e não invasão, como diz o Profº João Vergílio) de um pequeno grupo de alunos em sala de aula, para a proposição de um debate sobre a situação política enfrentada pela universidade e para que seja reforçado o informe de que a Assembleia dos Estudantes de Filosofia deliberou por greve. Foi apenas isso o que ocorreu na aula de 21/11 e que tanto indignou o Profº João Vergílio. Talvez, tendo se sentido ameaçado pela ruptura do monopólio discursivo, prerrogativa sua em sala de aula, o Profº tenha se sentido vítima do que denominou: “uma violência mínima”. Cremos que haja uma diferença qualitativa entre um chamado ao debate, ou seja, o que foi feito durante a aula de 21/11 e a prática de cadeiraços e demais piquetes, que, apesar de válidos, são utilizados apenas quando se configura a impossiblidade de se levar adiante a discussão por conta de uma recusa docente, a qual, como sabemos, tem sim natureza política. Ainda que ambos (“discussão” e “piquete”) tenham a finalidade de interromper a atividade (aula) em curso, no primeiro caso, salta aos olhos um convite ao livre pensar, à reflexão para além das paredes da sala de aula, um verdadeiro convite à própria filosofia. O fato de o Profº João Vergílio ter se retirado bastante irritado, talvez mostre que, para ele, a filosofia tenha de contar sempre com a mediação das salas de aula para exercer seu papel crítico frente a realidade, não apenas da universidade, mas do mundo.

Dessa feita, se alguma violência fora cometida em sua aula, no dia 21/11, coisa com a qual não assentimos, fora aquela que Gilles Deleuze denominou, em um outro contexto, a violência do pensamento, isto é, o acontecimento que força a PENSAR. 

No que concerne aos ataques, a nosso ver, preconceituosos e ideologicamente inclinados que o Profº desfere contra as assembleias, na ausência de espaços melhores e mais eficazes, o local de deliberação soberana dos estudantes de filosofia, só nos resta lamentar que, ao invés de comparecerem a elas e comprovarem como são um espaço aberto às mais diversas opiniões e tendências políticas, haja não apenas estudantes, mas professores que prefiram alimentar preconceitos de tal ordem. Rechaçamos a “incitação lúdica” que o Profº João Vergílio vem realizando em seus textos ao boicote às assembleias em geral, não apenas pela vileza que domina essa atitude, que visa, no limite, o esvaziamento dos poucos canais institucionais de discussão discente atualmente disponíveis, mas, sobretudo, pela irracionalidade do argumento. Haja vista que não faria o menor sentido trabalhar pelo impedimento de uma assembleia de curso que se encontra aberta para acatar a posição de todos (que o Profº prove não ser esse o caso da Assembleia dos Estudantes de Filosofia), inclusive dos que são contrários ao seu estabelecimento. Por outro lado, a nosso ver, trata-se de uma discussão delicada e importante a revisão de certos modelos de deliberação conjunta. Recebemos com atenção as indicações fornecidas pelo Profº a respeito da ampliação da possiblidade de discussão e voto, através da utilização de novos meios de interação, como a Internet. Acreditamos que essa discussão deva estar na ordem do dia do Movimento Estudantil para que ele se torne mais legítimo a cada dia. Não concordamos, contudo, que o modelo de assembleia atual incorra, no mais das vezes, em “pura manipulação ideológica”, como foi dito. Pelo contrário, ressaltamos que as deliberações de uma assembleia, como a dos estudantes de filosofia, cujo caráter é de DEMOCRACIA DIRETA E PARTICIPATIVA merece respeito mesmo da parte daqueles que, por princípio, a recusam. No mais, reforçamos o convite a todos os estudantes que, apesar de nunca terem frequentado as assembleias, afirmam não se sentirem representados pelas deliberações conjuntas, para que compareçam e colaborem na discussão sobre a greve que se encontra em curso e sobre os próximos passos do movimento, sobretudo, para o o fortalecimento de um debate acerca da remodelação das instâncias decisórias.

18 comentários:

  1. Caro João Vergílio. A carta foi discutida muito rapidamente durante a assembleia de ontem e está sendo reformulada de acordo com indicações que mais estudantes fizeram via facebook. Pediria que aguardasse o envio com tais reformulações antes de formular sua resposta. Será enviada ao seu email logo mais.

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  2. Beleza. Eu aguardo, e substituo o texto assim que chegar.

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  3. Professor João reconheço a importância de colocar aqui o contra ponto porem no caso dessa carta não vejo de fato uma argumentação valida perante ao movimento, mas sim perante a sua posição.

    Noto novamente a falta de argumentação apelando para ideias embora interessantes que não cabem na presente situação.

    Novamente é utilizado o caso das assembleias como meio mais eficiente de representatividade.porem se assim o fosse os mais de 50% a favor da PM no campus e contra a greve estariam sendo representados! Falar que a assembleia é representativa e o que prova isso é a própria assembleia é um paradoxo ridículo.

    O medo por traz das pessoas que constituem os atuais CAs das assembleias serem remodeladas é uma prova de que elas não estão bem como estão. me pergunto agora, quer representatividade então porque não fazer como o CA da POLI que alem de montar assembleias montaram plebiscitos e ainda distribuíram "ou pretende distribuir não sei como anda isso" questionários com os motivos pelo qual foi elaborado o voto dos alunos com a ideia de atingir pelo menos 95% dos alunos? isso não é MUITO mais representativo?

    Se uma ideia é correta e bem discutida ela ira ganhar seja em uma assembleia urna ou onde quer que seja, o que não podemos deixar acontecer é esta guerrinha civil ridícula que esta atingindo a USP e a unica forma de acabar com isso é repensando a forma que o movimento deve ser discutido, enquanto acharem que o sistema de vocês esta perfeito ele continuara a ser questionado!

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  4. IBMIN

    Acho importante provocar o debate justamente para que essas idéias cheguem a um número cada vez maior de pessoas. Elas estão latentes. Todo mundo SENTE que há alguma coisa de errado nesses mecanismos. A palavra dá a esse sentimento uma aparência mais fixa, mais estável, que permite que ele circule na sociedade e produza efeitos. Essa é nossa luta: pela primazia da palavra sobre a violência.

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  5. Caro João Vergílio, conforme dito,a carta foi enviada a seu email.

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  6. Caramba... Esse texto sai ou não sai?

    Minha mulher acaba de abrir um vinho. Chega de política por hoje. Mandem o texto pelo e-mail, que publico, conforme prometi. Se não mandarem até amanhã, assumo que o texto é esse mesmo, está bem?

    Até.

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  7. Quero agradecer a sábia assembleia do curso de filosofia, aquela que representa a totalidade dos alunos do curso, que é formada por em torno de 150 mentes iluminadas que decidem por nós, os alienados (será que eu tenho direito de ser alienado?), agradecer por eles saberem o que é o melhor para mim e para todos os outros que pensam como eu, ou seja, aqueles que por mais que sejam simpáticos às reivindicações, prezam a aula acima da luta proposta; quero agradecer por permitirem, do alto de suas grandeza e generosidade, àqueles que definem qual o grau de liberdade que eu posso ter; agradecer, enfim, a autorização para ao menos poder entregar meus trabalhos.

    Rodrigo

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  8. Caro João Vergílio,

    O texto já foi enviado para o email galleranicuter@uol.com.br. Vou reenviar. Por favor verifique.

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  9. Joao
    Nesse exato momento estou lendo a carta em um boteco em Brasilia.
    Aqui, diferentemente da Boca do monte, as pessoas fumam no boteco.
    Lá na Boca do Monte os vereadores aprovaram uma lei que proíbe fumar em bares e boates. Não consigo ver em que momento desse fato exista um ato de violência. Os vereadores foram eleitos, se reuniram na Câmara, discutiram e votaram o projeto. Cade a violência. E possível que quando as primeiras cidades
    tenham sido erguidas atos de violência tenham sido praticados. Mas depois de instituidas estruturas e leis mínimas, o correto e dizer que a violência e relativa ao desacordo das regras de manutenção da sociedade. Se uma pessoa faz vestibular e vai cursar um curso, ela esta assentondo as regras do jogo. Cade a violência?

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  10. Caro João Vergílio,

    Realizei novamente o envio. Por via das dúvidas, segue abaixo cópia do email e do texto.

    Caro João Vergílio

    Gostaria de felicitá-lo por sua disposição, ainda que apenas virtual, ao debate. Acredito que o mortal enfraquecimento do potencial crítico passa decisivamente pela incapacidade de realizar um franco, digno e sadio embate de ideias. A meu ver, a falta dessa disposição em boa parte de nossos pares é um claro sintoma da atual crise, não apenas instalada em nossa universidade, mas também em todo o largo espectro das ciências humanas.

    O texto aqui anexado foi publicado inicialmente em um grupo do Facebook para que fosse discutido e acrescido de maiores e mais amplos horizontes de argumentação. A ideia era que fosse reformulado durante essa semana e aprovado, como um texto coletivo, na próxima assembleia dos estudantes de filosofia. Contudo, tendo o texto chegado ao Sr. acrescentei, conforme o que foi discutido lá, alguns detalhes e flexibilizei certas posições e pontos de vista devido aos últimos acontecimentos. Assim, o texto é assinado apenas por mim e não reflete a posição do ME ou de quaisquer orgãos representativos dos estudantes.
    Aponto esse dado apenas porque, sendo uma carta endereçada a uma pessoa, nada mais justo que ela seja a primeira a recebê-la.

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  11. Carta Aberta aos Estudantes da FFLCH e ao Profº João Vergílio Gallerani Cuter

    “Por mais paradoxal que possa parecer à primeira vista, até mesmo um comportamento assumido no exercício de um direito [DE GREVE] deve, sob determinadas circunstâncias, ser considerado [pelo Estado] uma violência.” (Walter Benjamin)

    É assim que Benjamin caracteriza o exercício do direito de greve, concedido pelo Estado, porém caracterizado como arbitrário e violento, quando, por assim dizer, GENERALIZA-SE. O ensaio do autor ressalta o caráter transitório sobre o qual repousa qualquer direito que, em ato, possa vir a confrontar o ordenamento de direito que o promulga. Geralmente, nesses casos, o Estado - e seus apologetas - o classificam como VIOLÊNCIA. O contexto analisado por Benjamin remete à greve operária. Acreditamos, porém, que seus conceitos possam oferecer alguma luz para melhor visualizarmos situações tais como as greves estudantis.

    Trata-se aqui de discutir algumas das implicações dessa caracterização feita por Benjamin no âmbito estrito da greve em curso dos estudantes da USP, mais especificamente, dos estudantes de FILOSOFIA. Propomos então uma reflexão sobre os últimos episódios ocorridos no depto. e as reações que acabaram desencadeando.

    O professor João Vergílio acusa os estudantes de filosofia, em greve, de se utilizarem de violência, ou melhor, de um certo “cálculo” da violência, para interromperem suas aulas. Para isso, baseia-se no direito constituído que o garante ministrá-las e, aos demais estudantes, assisti-las. Diz ele: “Um professor ou aluno que entra em sala de aula contrariando decisões de uma assembleia [...] Sente que está simplesmente exercendo seu direito de ir e vir, pois não atribui nenhum valor às decisões tomadas pelos colegas.” É uma pena não haver espaço aqui para analisar, com o necessário cuidado, a tendência notoriamente presente nos setores conservadores mais ligeiros, dos quais boa parte dos editoriais de mídia impressa e os programas televisivos de temática policial são um exemplo flagrante, de utilizarem-se do direito constitucional de ir e vir para operar a desqualificação de todo tipo de conflito social que se faça visível por meio de manifestações, passeatas, greves, etc... Mas, para além disso, já que o Profº raciocina no sentido de legitimar a ocorrência de suas aulas a partir do princípio da legalidade que defenderia tanto quem as ministra quanto quem as assiste, talvez fosse o caso de nos perguntarmos a que violência ele se refere. Segundo Freud: "É um erro de cálculo [seria esse o cálculo que o Profº nos atribui?] não considerar que o direito em sua origem foi VIOLÊNCIA BRUTA e que ainda hoje não pode prescindir do apoio da VIOLÊNCIA."

    Isso significa que há uma permanente tensão que perpassa todo e qualquer ordenamento jurídico, isto é, a tensão entre direito e justiça. A ideia de justiça nunca se esgota em suas representações jurídicas e nas instituições de direito que a ela buscam se ajustar. Não pretendemos com essa constatação, no entanto, estabelecer um relativismo que autorize o uso indiscriminado da violência (de qualquer espécie), o que seria insensato. Reconhecemos que é impensável uma ideia de justiça que não incorra em um direito, em um estabelecimento da legalidade, em larga medida, que não se mova a partir de um Estado constituído. Mas não podemos deixar também de reconhecer, juntos de Jacques Derrida, por exemplo, que “aquilo que pretende ter força de lei inscreve, portanto, o apelo à força no próprio conceito de sua autoridade. O risco de tirania não espera mais, ele espreita na origem da lei”. Assim, pretendemos mostrar que, a contrapelo do que sustenta o profº João Vergílio, em sua enxurrada de textos dos últimos dias, a interrupção de aulas não é um ato que caiba na oposição Violência X Direito (oposição largamente problemática), pois tratam-se ambos, grosso modo, de momentos distintos de um mesmo ato, sendo a violência a porta pela qual o direito se instala e, mais tarde, a arma pela qual ele se defende. (Continua)

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  12. Podemos inferir que a própria estrutura da sala de aula, amparada pela legalidade do direito, é um dos espaços, por excelência, para a ação livre da VIOLÊNCIA SIMBÓLICA imposta pela ordem constituída. A violência que constitui o direito persiste, mas de maneira velada. No correr de uma relação pedagógica professor e aluno podem não ser diretamente violentados por atos ou palavras, mas o background, os valores impressos no aprendizado e a primazia discursiva são de quem? A relação exercida é sim uma relação de poder em que o mais forte se impõe sobre o mais fraco, através de uma forma de violência, que, por não ser problematizada, cristaliza-se como um dado, um fato inevitável. Daí decorre que se afirme, contra um cadeiraço, que a sala de aula é o “lugar natural” das carteiras, ou que o “conhecimento” se cale na ausência de aulas. Concordamos que a sala de aula é sim o espaço das carteiras, mas a própria diagramação espacial dela é fruto de uma violência simbólica, ao menos, tanto quanto o ato de retirá-las da sala.

    Gostaria também de ressaltar que as “ações grevistas” dos estudantes de Filosofia foram pautadas desde o início pelo diálogo e o respeito a professores e estudantes de posições contrárias e/ou indiferentes à greve. Assim, apenas ontem fora utilizado o cadeiraço como forma de interrupção das aulas (Um erro na opinião de quem aqui escreve, mas tem a clara percepção de que condená-lo a partir da exaltação do direito incorre em uma forma cínica de “fazer cumprir a lei”, a despeito da natureza política do conflito). Nossos piquetes tem sido pautados pelo diálogo e pelo respeito a posição de professores e demais estudantes. Trata-se da entrada (e não invasão, como diz o Profº João Vergílio) de um pequeno grupo de alunos em sala de aula, para a proposição de um debate sobre a situação política enfrentada pela universidade e para que seja reforçado o informe de que a Assembleia dos Estudantes de Filosofia deliberou por greve. Foi apenas isso o que ocorreu na aula de 21/11 e que tanto indignou o Profº João Vergílio. Talvez, tendo se sentido ameaçado pela ruptura do monopólio discursivo, prerrogativa sua em sala de aula, o Profº tenha se sentido vítima do que denominou: “uma violência mínima”. Cremos que haja uma diferença qualitativa entre um chamado ao debate, ou seja, o que foi feito durante a aula de 21/11 e a prática de cadeiraços e demais piquetes, que, apesar de válidos, são utilizados apenas quando se configura a impossiblidade de se levar adiante a discussão por conta de uma recusa docente, a qual, como sabemos, tem sim natureza política. (Continua)

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  13. Ainda que ambos (“discussão” e “piquete”) tenham a finalidade de interromper a atividade (aula) em curso, no primeiro caso, salta aos olhos um convite ao livre pensar, à reflexão para além das paredes da sala de aula, um verdadeiro convite à própria filosofia. O fato de o Profº João Vergílio ter se retirado bastante irritado, talvez mostre que, para ele, a filosofia tenha de contar sempre com a mediação das salas de aula para exercer seu papel crítico frente a realidade, não apenas da universidade, mas do mundo. Dessa feita, se alguma violência fora cometida em sua aula, no dia 21/11, coisa com a qual não assentimos, fora aquela que Gilles Deleuze denominou, em um outro contexto, a violência do pensamento, isto é, o acontecimento que força a PENSAR.

    No que concerne aos ataques, a nosso ver, preconceituosos e ideologicamente inclinados que o Profº desfere contra as assembleias, na ausência de espaços melhores e mais eficazes, o local de deliberação soberana dos estudantes de filosofia, só nos resta lamentar que, ao invés de comparecerem a elas e comprovarem como são um espaço aberto às mais diversas opiniões e tendências políticas, haja não apenas estudantes, mas professores que prefiram alimentar preconceitos de tal ordem. Rechaçamos a “incitação lúdica” que o Profº João Vergílio vem realizando em seus textos ao boicote às assembleias em geral, não apenas pela vileza que domina essa atitude, que visa, no limite, o esvaziamento dos poucos canais institucionais de discussão discente atualmente disponíveis, mas, sobretudo, pela irracionalidade do argumento. Haja vista que não faria o menor sentido trabalhar pelo impedimento de uma assembleia de curso que se encontra aberta para acatar a posição de todos (que o Profº prove não ser esse o caso da Assembleia dos Estudantes de Filosofia), inclusive dos que são contrários ao seu estabelecimento. Por outro lado, a nosso ver, trata-se de uma discussão delicada e importante a revisão de certos modelos de deliberação conjunta. Recebemos com atenção as indicações fornecidas pelo Profº a respeito da ampliação da possiblidade de discussão e voto, através da utilização de novos meios de interação, como a Internet. Acreditamos que essa discussão deva estar na ordem do dia do Movimento Estudantil para que ele se torne mais legítimo a cada dia. Não concordamos, contudo, que o modelo de assembleia atual incorra, no mais das vezes, em “pura manipulação ideológica”, como foi dito. Pelo contrário, ressaltamos que as deliberações de uma assembleia, como a dos estudantes de filosofia, cujo caráter é de DEMOCRACIA DIRETA E PARTICIPATIVA merece respeito mesmo da parte daqueles que, por princípio, a recusam. No mais, reforçamos o convite a todos os estudantes que, apesar de nunca terem frequentado as assembleias, afirmam não se sentirem representados pelas deliberações conjuntas, para que compareçam e colaborem na discussão sobre a greve que se encontra em curso e sobre os próximos passos do movimento, sobretudo, para o o fortalecimento de um debate acerca da remodelação das instâncias decisórias.

    André Paes Leme

    Estudante de Graduação (Filosofia/FFLCH-USP)

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  14. André,

    Substituí o texto, e acrescentei minha réplica num post à parte.

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  15. Caro André,

    Não foi apenas um "chamado ao debate" o que ocorreu no dia 21/11, na aula do professor João Vergílio. E qualquer um que estava lá sabe disso. Foi uma INTERRUPÇÃO da aula. Não foi um convite amigável, na base do "quem quer debater debate, quem quer assistir aula, assista". O "pequeno grupo de alunos" deixou bem claro que estava lá para IMPEDIR que a aula acontecesse. Well, no meu mundo, isso é violência.

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  16. "Nossos piquetes tem sido pautados pelo diálogo e pelo respeito a posição de professores e demais estudantes." - ahn? UM cadeiraço, UMA interrupção, UM apitaço sinaliza O FIM DEFINITIVO DO DIÁLOGO. HELLO??? ASS.: AXL.

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