domingo, 11 de dezembro de 2011

Fim da 1ª Parte


5.500 visitas em duas semanas. Se alguém acha que o problema não existe, pense nisso. 

Não existe um único lado dentro da FFLCH. Existem pelo menos dois. Um deles não aceita mais agressões.

A idéia é que TODOS reflitam e recuem para um espaço de convivência democrática e civilizada. É pedir muito?

O blog entra em recesso, a bem de meu trabalho, mas os posts continuarão aqui, neste endereço, disponíveis para leitura. Se gostaram do que eu disse, ou simplesmente acharam importante que essas coisas fossem ditas, divulguem os textos nas redes sociais. É importante que as pessoas do mundo exterior percebam que a FFLCH não é um bloco monolítico, apesar da falsa impressão de unanimidade que a violência dos piquetes às vezes é capaz de produzir. 

Abraço a todos, e obrigado pela atenção. 

sábado, 10 de dezembro de 2011

A greve como farsa. (4) Fórceps ideológico.


Explicitemos de uma vez a pergunta mais incômoda. "Sem as assembléias, seria possível obter os mesmos efeitos? Seria possível "mobilizar" os estudantes? Seria possível organizar greves todos os anos?"

A resposta, não menos incômoda, é também muito simples: "Obviamente não!"

Reciocine comigo. É razoável pensar que toda a FFLCH una-se ano após ano em torno da agenda de lutas proposta pelo movimento estudantil? Imagine que isso de fato acontecesse espontaneamente em algum lugar. Imagine que, diante de assuntos polêmicos, que dividem as opiniões em toda a sociedade, os estudantes de uma certa faculdade sempre reagissem de maneira praticamente unânime. Há bons argumentos favoráveis, por exemplo, ao ensino à distância. E há bons argumentos contrários. Se você tomar qualquer amostra de pessoas minimamente informadas sobre o assunto, constatará a existência de uma divisão. Nessa faculdade, porém, isso não aconteceria. Quase todos os alunos seriam contrários ao ensino à distância, e se disporiam a paralisar as aulas e sair às ruas para combater essa idéia.

O mesmo aconteceria, tempos depois, com o problema da presença da PM dentro do campus. Outro assunto polêmico, que divide as opiniões dentro e fora da Universidade. Nessa curiosa faculdade, porém, haveria uma surpreendente unanimidade. Todos (ou quase todos) não só achariam que a PM deve dar o fora, como também paralisariam espontaneamente as aulas em sinal de protesto. 

A repetição sistemática do fenômeno levaria muitas pessoas a perguntarem - "Afinal de contas, o que acontece de tão estranho nessa faculdade? Por que esses alunos são levados, contra todas as probabilidades, a reagir sempre de maneira unânime, e sempre numa direção previsível? Se nem mesmo na torcida do Corinthians há unanimidade sobre todos esses assuntos, por que raios esse agrupamento humano reage sempre de forma tão coesa?"

Seria um enigma se fosse espontâneo. No caso da FFLCH, não é. A unanimidade em torno desses assuntos simplesmente não existe. É falsa, é fabricada, é arrancada a fórceps por meio de assembléias sabidamente manipuladas. A última greve, por exemplo, foi "decretada" por pouco mais da metade das pessoas presentes a uma assembléia que reunia... 80 alunos. A classe noturna do primeiro ano, para a qual dei aula neste semestre, é mais numerosa. "Ah, mas se as pessoas discordam, basta descer e votar." Uma pinóia. Há uma percepção generalizada (e, na minha opinião, perfeitamente justificada - basta ver o vídeo que postei há alguns dias) segundo a qual esse é um jogo de cartas marcadas. Perdida uma votação na quarta, realiza-se outra (devidamente maquilada) na segunda ou terça-feira seguinte. Convocam-se os reforços de sempre, e a decisão é enfiada goela abaixo de toda a Faculdade por meio de piquetes, cadeiraços, apitaços, invasões de sala e pequenas (mas eficazes) violências do mesmo gênero.

Não é à toa que a maioria das pessoas não reconhece nenhuma legitimidade nessa pilantragem explícita. Não vão às assembléias, não porque sejam "alienadas", "desinformadas", "conformistas", etc. Essas pessoas interessam-se, sim, por política. Discutem apaixonadamente os mesmos assuntos que são discutidos nas assembléias. Participam ativamente de redes sociais, dando suas opiniões e se expondo ao contraditório. São inteligentes, articuladas, preocupadas com a universidade e com o país. Não participam de assembléias porque não querem se transformar em massa de manobra. Só isso. Não querem emprestar legitimidade a um mecanismo sabidamente viciado. Diante da violência dos colegas, vêm se calando - mas irão se calar cada vez menos! Há uma fortíssima tensão entre os estudantes que, se não for reconhecida em toda a sua extensão, acabará explodindo um dia. 

Sem as assembléias, continuará havendo "coesão" em torno da pauta de "lutas" do movimento estudantil? Mas é óbvio que NÃO. Nem poderia haver. Uma vez a cada dez ou quinze anos surgirá um assunto que une estudantes, funcionários e professores, e eventualmente isso resultará em um movimento reivindicatório. Isso é normal. Qualquer coisa diferente disso é artificial, mentirosa, fake. Unanimidades anuais só surgem na FFLCH por conta de dois fatores combinados: assembléias manipuladas e piquetes violentos. 

É contra essa combinação maluca e autoritária que eu escrevo.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Resposta a André Paes Leme

1. Não sei de onde se pode tirar a idéia de que faço política, mas nunca falo a respeito dela. Não tenho feito outra coisa nos últimos dias a não ser FALAR sobre política. Abri um blog com a finalidade exclusiva de discutir a política universitária. É o que estou fazendo neste exato momento, aliás, apesar da enorme pilha de trabalhos para corrigir que me espera aqui ao lado. 

2. Não sei de onde se pode tirar a idéia de que pretendo ser "neutro" nos debates que ocorrem dentro da Universidade. Minhas posições são claríssimas, e estão assumidas publicamente, com minha assinatura embaixo. Qual é a questão a respeito da qual não estou me posicionando? Sou favorável a que haja uma nítida separação entre gestão administrativa e gestão acadêmica da Universidade. Para a primeira, defendo a contratação de um gestor experiente no mercado, capaz de lidar com um orçamento de 3 bilhões anuais; para a segunda, defendo a eleição direta do Conselho Universitário pelos professores (e APENAS por eles, independentemente da titulação). O Reitor deveria, a meu ver, ser simplesmente o presidente desse Conselho. Onde é que você me vê fugindo do debate? Defendo a presença da PM dentro do campus, e acho que a ação da Tropa de Choque na desocupação da Reitoria foi exemplar. Acho que o comandante da Tropa de Choque merece uma medalha pela competência com que conduziu uma operação difícil como aquela sem que ninguém se machucasse. Que clareza adicional você pretende exigir de mim? 

3. Não sei de onde você pode tirar a idéia de que defendo o direito de ir e vir abstratamente, como uma espécie de "curingão" a ser empregado em caso de apuro durante uma discussão. Releia o que escrevi. O que eu digo é outra coisa. Há uma crise de legitimidade nos mecanismos de decisão. Esse é o ponto. Oitenta pessoas acham que podem decidir por todos, e depois socar a decisão goela abaixo da Faculdade mediante o emprego de piquetes. É essa falta de legitimidade que torna a invasão de classe, o cadeiraço, o apitaço, etc. meras agressões - agressões que, aos olhos de quem não vê legitimidade nas assembléias, só poderiam ser respondidas de modo também violento. É preciso dar um basta nessa escalada de violência. É só isso que estou tentando dizer. 

Tréplica de André Paes Leme

Reproduzo abaixo a carta que me foi encaminhada pelo estudante André Paes Leme. Como se trata de um texto bastante longo, introduzi uma quebra no meio dele, para facilitar a navegação pelo blog. Basta clicar em "Mais informações" para ter acesso ao restante do texto. Logo acima, minha resposta.

“Eu o o faço muitas vezes, mas nunca falo dele”. Foi essa a resposta dada pela Sra. Leroi, uma das mais breves e interessantes personagens de Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, a uma certa dama pretensiosa que certa vez lhe perguntara: “Que pensa a Sra. do amor?”

Estamos certos de que, caso a pergunta feita pela tal dama pretensiosa envolvesse não o amor, mas a política, a resposta do Profº João Vergílio não poderia ser muito diferente daquela ofertada pela geniosa Sra. Leroi. Dizemos isso, pois é muito claro, para quem acompanha seus textos e comentários sobre a greve dos estudantes, que o Profº muitas vezes FAZ política, mas (quase) nunca fala dela. Pelo menos, não com a qualidade que seesperaria. É interessante perceber como o conservadorismo tem se tornado um discurso cada vez mais límpido, translúcido, neutro... Um discurso que se pretende proferido de um certolugar privilegiado para o COMENTÁRIO POLÍTICO. Para além do embate de ideias e ações políticas, o discurso conservador pretende-se cristalino, livre de contradições. Ele é incapazde se apresentar enquanto POSIÇÃO POLÍTICA. Sua estratégia passa por enunciar-se como expressão de um certo topos da consciência individual, isto é, como a “voz da razão”. Ele é sempre o primeiro a a manter o dedo em riste contra a “anormalidade” é sempre o primeiro a defender com unhas, dentes e blogs a função legal dos espaços X ou Y; não perde tempo em evocar a letra morta da lei para condenar qualquer manifestação ou ato político que venha a flertar com a obstrução de seus sagrados direitos, para que venham à tona outrosque não estejam sendo cumpridos. É sintomático o caso do direito de ir e vir, que vem se convertendo, nas mãos certo conservadorismo, em arma de combate contra o direito, não menos fundamental, de livre manifestação.

A greve como farsa. (3) Assembleísmo.



No próximo domingo, este blog entra em recesso por tempo indeterminado. Quando o criei, há duas semanas, tinha um objetivo específico em mente, que foi plenamente cumprido: dar expressão a um tipo de pensamento que normalmente não emerge nas assembléias de alunos e professores da FFLCH. Em 16 anos de docência, esta foi a primeira vez que expressei fora do âmbito mais restrito de um forum de professores minhas opiniões a respeito da Universidade e dos movimentos grevistas que emergem quase todos os anos en nossa Faculdade. Os inúmeros e-mails que me foram enviados por alunos e colegas, apoiando-me, bem como a alta quantidade de acessos diários ao blog convenceram-me de que toquei num ponto sensível do debate. Sem pretender representar nenhuma outra pessoa que não seja eu mesmo, acabei articulando um discurso no qual muitos se reconheceram. 

As pessoas que me apoiaram não o fizeram porque concordam comigo no detalhe. O problema é outro, de ordem mais geral. Existe uma revolta dentro da Universidade com relação aos métodos empregados pelo movimento estudantil em suas manifestações. Existe a percepção generalizada de que esses métodos não expressam a opinião nem refletem a postura da maioria dos estudantes. Refletem, no máximo, a postura dos estudantes que frequentam assembléias, e vêm nelas um mecanismo legítimo de tomada coletiva de decisões. Os que não as frequentam, não são, como muitas vezes se diz, "alienados", "ignorantes" ou "conformistas". Não estão (para aproveitar uma expressão que alguém utilizou neste espaço) interessados apenas em "engordar o próprio Lattes", permanecendo alheios a tudo o que diga respeito à Universidade e ao país. Essas pessoas têm opiniões, procuram se informar e discutem com frequência exatamente os mesmos problemas que são debatidos nas assembléias. Só não aceitam mais debatê-los ali, naquele tipo de espaço.

Por quê?

Basicamente porque se convenceram de que assembléias são mecanismos de manipulação ideológica criados com a finalidade específica de fabricar falsas maiorias e dar respaldo à atuação política de grupos minúsculos que, sem a possibilidade de instrumentalizar aquele espaço, não teriam nenhuma expressão dentro da Universidade. É comum que a resposta a esta inquietação venha na forma de um convite à participação. Alegam que, se alguém quiser mudar os mecanismos de decisão coletiva, deve primeiro ganhar o voto das assembléias. Isso é uma falácia. Quem está convencido de que esses mecanismos são essencialmente viciados não está disposto a legitimá-los com sua presença. Esse é o ponto. Há um mecanismo muito antigo e muito simples de verificação da vontade da maioria: a urna. Agora, com a disponibilidade de urnas eletrônicas, que podem ser acessadas da casa de cada um a qualquer hora, esse mecanismo está ainda mais simplificado e eficiente. É disso que o movimento estudantil (e também o sindicalismo dos professores) foge como o diabo foge da cruz: do voto. É isso que eles querem evitar a todo custo. É essa a mão em troca da qual eles estão dispostos a entregar todos os dedos se for necessário. Enquanto puderem manipular assembléias, essas minorias continuarão tendo força e influência. Sem elas, serão reduzidas a seu verdadeiro tamanho, e terão que convencer seus colegas mediante o uso da palavra, ao invés de agir com violência para impor a todos as decisões tomadas por alguns.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

A greve como farsa. (2) O Generoso Pavio.



Lá pelas tantas, um ministro da ditadura resolveu justificar a censura prévia dizendo que alguns textos, embora não fossem diretamente subversivos, ofereciam à subversão um "generoso pavio". O Pasquim, aproveitando-se dos ecos sexuais presentes na expressão, deitou e rolou, produzindo variações infindáveis e engraçadíssimas sobre o tema. Quarenta anos depois, vejo a doutrina ressurgir como uma espécie de pano de fundo de certos discursos a respeito das greves estudantis.

Segundo essa narrativa, o principal mérito de uma greve estudantil não está naquilo que ela reivindica, mas no modo como o faz. Pouco importa o que se peça - importa apenas a forma geral da reivindicação, o elemento de ruptura que a greve introduz no cotidiano bovino de uma sociedade anestesiada pelo conformismo. A greve de estudantes ainda não é a explosão revolucionária de nossos sonhos, mas já é, pelo menos, um generosíssimo pavio. Grandes eventos na história da humanidade nasceram de incidentes aparentemente banais, lembram eles. A Primeira Guerra, de um assassinato. O movimento negro, de um incidente dentro de um ônibus. A Guerra de Tróia, do rapto de uma gostosona. Sabe-se lá o que pode acontecer a partir de uma invasão de Reitoria...

Os comunistas do meu tempo podiam ser alucinados, mas tinham um discurso fechadinho, coerente, cheio de respostas para tudo. "De onde virão as armas?" Eles respondiam. "Qual é o seu modelo de sociedade?" A China. Cuba. A URSS. A Albânia. Cada um tinha o seu. "Como chegaremos lá?" Assim. Assado. "Devemos participar do processo eleitoral burguês?" Sim. Não. Por este motivo. Por aquele. Havia uma "narrativa revolucionária" na boca de cada um. Costumava ser completamente maluca, é verdade. Mas pelo menos existia. A conversa não travava na primeira perguntinha inconveniente do interlocutor.

Agora, experimente você mesmo(a). Faça uma dessas perguntas a qualquer um deles. O efeito será semelhante ao provocado pelo sal no corpo da minhoca: contorcionismos verbais que não apontam para lugar nenhum. É o revolucionário "vamo-que-vamo". O comunista "um, dois, três, já!". "É somente na caminhada que o caminhante descobre o seu caminho", costumam dizer. Tudo bem. É o que também dizem os náufragos no meio do oceano, e os cegos no meio do tiroteio. Gente sensata sai de casa com um mínimo de noção do lugar para onde quer ir. Um endereço no bolso, que seja. Só bêbados tentam descobrir o caminho no meio da caminhada. Em geral, não conseguem. Nos piores casos, acabam numa delegacia.

A única coisa que eles conseguem divisar no horizonte é uma ruptura, uma revolta generalizada, uma explosão. Como essa ruptura não tem conteúdo nenhum, qualquer coisa assemelhada a uma ruptura serve. Trata-se da tal "mágia homeopática", que abordei num post anterior. Convencido de que a sociedade, como a natureza, opera por semelhança, o pajé infere que pode produzir qualquer efeito desejado imitando-o cerimonialmente. "Hoje, é greve estudantil. / Um dia, a greve geral / toma conta do Brasil / e o capitalismo... babau!" Pajelança em estado bruto. Daí ao desfecho a que assistimos não vai mais que um passo. Uns malucos se reúnem, manipulam uma assembléia, invadem a Reitoria a botinadas, provocam a ação da PM, chamam uma greve, invadem as salas de aula, e lá se vai mais um semestre, em nome de caminhos que a caminhada infelizmente não foi capaz de descobrir.

Toda essa máquina ideológica maluca gira em torno de um único eixo: as tais "assembléias". Sem assembléias, a pajelança toda fica inviável. Sabendo disso, o pajé trata de envolver essa porcaria, esse lixo autoritário numa aura democrática. O que aconteceu no pátio da História, ou no pátio da Letras (vejam o vídeo postado anteriormente) seria um renascimento da democracia direta dos atenienses. O povo reunido na ágora decide seus próprios destinos. No post de amanhã, desceremos a ripa nessa mitologia imbecil.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A greve como farsa. (1) Taxonomia básica.


Como funciona uma greve?

Depende.

No caso das greves usuais, há um conflito entre patrões e empregados a respeito, por exemplo, do valor do salário. Empregados querem receber mais, e os patrões se recusam a dar o aumento. Preferem empregar o dinheiro excedente (caso exista) de outra forma - investindo na empresa, ou simplesmente embolsando-o, na forma de lucro. Os empregados resolvem, então, paralisar a produção, afetando diretamente o bolso do patrão. O dinheiro pára de entrar. Ele é obrigado a negociar com os grevistas e, eventualmente, abrir mão de parte de seus lucros, ou adiar investimentos na empresa.

No caso das greves do fucionalismo público, as coisas são um pouco diversas. Há um conflito entre funcionários e Governo a respeito, por exemplo, do valor do salário. Os funcionários querem receber mais, e o Governo se recusa a dar o aumento. Prefere empregar o dinheiro excedente (caso exista) em outras coisas - contratar mais funcionários, ou então investir em saúde, educação, infraestrutura, etc. Os funcionários resolvem, então, paralisar os serviços. Isso não afeta, é claro, o orçamento do Governo, ou o bolso do governante de plantão. O dinheiro dos impostos não pára de entrar. O salário do Governador não deixa de ser pago. A paralisação afeta a população - doentes ficam sem médicos, crianças ficam sem aulas, o serviço de polícia é interrompido, e assim por diante. Os eleitores começam a chiar. O governador sente-se pressionado, então, a negociar e, eventualmente, adiar novas contratações e novos investimentos públicos para satisfazer os grevistas.

No caso das greves estudantis, as coisas são muito diferentes de tudo que você possa imaginar. Elas sempre envolvem um componente um pouco surreal. Funcionam do seguinte modo.

Os estudantes têm uma reivindicação. Querem a PM fora do campus, acham o preço do bandejão muito alto, são contrários ao ensino à distância, e assim por diante. O Governo, a Reitoria, ou ambos são contrários àquela reivindicação. Os alunos resolvem, então, paralisar o recebimento dos serviços. É isso, mesmo - não aceitam mais receber os serviços prestados pelo Estado. É o que corresponderia, no caso dos hospitais, a uma greve de doentes; no caso de aposentados, a uma greve de recebimentos ("Ninguém vai ao banco este mês!"); e assim por diante. A paralisação obviamente não afeta ninguém. Uma greve de estudantes é simplesmente lacrimogênea, e provoca no máximo efeitos morais. Não chega nem mesmo a ser bala de borracha. É bala de festim - só faz barulho. Por isso mesmo, pode se estender por meses a fio, e costuma ser reforçada por invasões de prédios e outras ações espalhafatosas. Eventualmente, a situação começa a pegar mal para o Governo. Se a população tem simpatia pelas reivindicações, é possível que o governante tente atender a uma ou duas reivindicações para que a moçada deixe de produzir cenas incômodas nos telejornais. Se a população tomou-se de raiva pelos estudantes; se existe, enfim, o sentimento difuso de que "esses vagabundos merecem mesmo é uma boa coça", o Governador pode concluir que já é hora de enviar a tropa de choque para resolver a parada. O importante é que, no final da história, ele consiga ficar bem na foto. Por via de regra, consegue.

A greve de funcionários públicos tem um componente claramente imoral. Usa a dor causada na população como moeda de troca em negociações salariais. A greve de estudantes, não. Ela nada tem de imoral. É um pouco ridícula, mas não passa disso. Seu objetivo, como vimos, é simplesmente criar uma situação inusitada, que atraia a atenção da mídia. (Vir pelado à Universidade surtiria basicamente o mesmo efeito.) Suas reivindicações, por via de regra, ficam no limite da compreensibilidade. A população mal consegue entender pelo que se está lutando. Numa palavra, é um zero à esquerda. Por que, então, ela é vista como um bem tão precioso por determinados setores dentro e fora da universidade?

Porque ela é um símbolo de si mesma.

É o que veremos no post de amanhã.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Leituras de ocasião


Para invadir a Reitoria a botinadas, Zizek. Para a defesa do Estatuto, Kelsen. 

Data maxima venia, que tal doar as folhas do Estatuto a uma peixaria?

Fascistas são vocês!

Assembléia da Letras
17/11/2011


Mate pastor


"Só uma assembléia pode pôr fim às assembléias."

E só o ditador pode pôr fim à ditadura?

Ao invés de bater o pezinho, insistindo na bobagem, por que não jogar limpo? 

Que tal um plebiscito?

O que João Vergílio diria a seus botões


"Ninguém é contra a participação da Universidade no debate nacional, meu caro. Só não entendo por que essa participação deva se dar através da manipulação descarada da vontade coletiva em assembléias, e mediante o emprego de métodos violentos para garantir a implementação daquilo que foi decidido por escandalosas minorias."

P.S.: maiores detalhes, no vídeo que postei logo acima.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Uma nota de ceticismo a respeito do que eu disse


A bandeira dos estudantes não poderia ser mais ridícula. A legitimidade de suas assembléias é nula. Seus órgãos de representação valem tanto quanto uma nota de sete. Seus métodos envolvem uma violência absolutamente antiética, na medida em que partem do pressuposto de que o lado de lá não está autorizado a agir baseado nos mesmos princípios. 

Apesar disso tudo, eles são uma das poucas forças vivas na sociedade civil brasileira de hoje.

Olhe o que está acontecendo na Grécia, meu caro. Olhe o que está acontecendo em toda a Europa. A democracia formal está se dissolvendo. As eleições têm tanto sentido político quanto a escolha da Miss Universo. Tanto faz escolher Fulano ou Sicrano. A política implementada será a do grande capital.

Aqui no Brasil, temos a mesma situação, só que mascarada por dois fatos: a prosperidade econômica e as mudanças efetivas no perfil da sociedade induzidas pelas políticas sociais dos governos petistas. Paralelamente a isso, políticas econômicas ultraconservadoras, das quais o Itaú, por exemplo, certamente não tem do que reclamar. 

Temos a impressão, no Brasil, de ainda estarmos fazendo opções reais quando vamos às urnas. A polaridade entre "tucanos" e "petistas" ainda consegue dar um sentido residual à democracia brasileira. Mas há um mal-estar permanente no fundo de todas as discussões. De algum modo, sentimos que, de Pedro Malan para Antônio Palocci, houve a mais perfeita continuidade e que estamos simplesmente anestesiados pela bonita cena de pessoas humildes finalmente sentando ao nosso lado nos aviões.

E se der errado? E se a crise chegar por aqui com força? Que alternativa será oferecida à sociedade? A "lição de casa" da Miriam Leitão?

Não ria demais dos estudantes, João Vergílio. No final das contas, apesar de todo o ridículo, eles podem estar carregando consigo uma inquietação muito mais profunda do que a mera recusa da Polícia Militar dentro do campus

domingo, 4 de dezembro de 2011

Perguntinhas incômodas


Quantos estudantes saberiam dizer o NOME (só isso) do atual presidente da UNE?

O método de escolha do reitor da Universidade de São Paulo pode ser um completo absurdo (e é mesmo!). Comparado ao método de escolha da presidência da UNE, porém, é uma belezura.

Para reforçar a idéia, proponho um teste de múltipla escolha:

1. Quantas vezes você já ouviu numa assembléia alguém protestar contra os métodos para a escolha do reitor da Universidade de São Paulo?
(a) Que eu me lembre, nunca
(b) Uma vez ou duas, mas já faz tempo
(c) Xi... perdi a conta

2. Quantas vezes você já ouviu numa assembléia alguém protestar contra os métodos para a escolha da diretoria da UNE?
(a) Xi... perdi a conta
(b) Uma vez ou duas, mas já faz tempo
(c) Que eu me lembre, nunca

A título de moral da história, aí vai outra perguntinha incômoda de brinde:

Antes de falar do esfarrapado, não seria aconselhável que o roto desse uma espiadinha no próprio rabicó?

P.S.: Para quem não sabe, o nome do rapaz ali na foto é Daniel Iliescu. 

sábado, 3 de dezembro de 2011

Mitologias. (4) A República Autônoma do Butantã.


Para quem vem da Euzébio Matoso, o contraste é chocante. Avenidas amplas, árvores por toda parte, grandes espaços vazios, prédios baixos, pessoas bem vestidas, nenhum bêbado caído na calçada. É como entrar numa outra cidade, ou num outro país, com seus hospitais, seus estádios, sua arquitetura modernosa, seus restaurantes típicos, suas linhas de ônibus, seus albergues - até sua própria polícia. No centro do território, a sede do poder local.

Como se pode ver, até mesmo o aspecto físico reforça uma certa auto-imagem* da RAB (República Autônoma do Butantã) - a de um enclave dentro do país, com suas próprias regras, costumes e códigos de conduta. É como se cada prédio, cada avenida, cada árvore da República gritasse ao mundo externo - "não se metam em nossos assuntos".
A paisagem humana faria coro aos sonhos republicanos, não fosse por dois inconvenientes - um pequeno, outro um pouco maior. 
Comecemos pelo miúdo. A população da RAB está dividida em castas. (Falamos aqui apenas dos que têm cidadania, e portam documento de identificação. Sobre os outros, falaremos em seguida.) Alunos, professores e funcionários formam compartimentos fechados, incomunicáveis. Cada qual tem suas associações de casta, seus pontos de encontro, seus interesses, sua "identidade social" no interior do enclave. Até mesmo os defensores mais ardorosos dos ideais "democráticos", como veremos, aceitam (por inexorável) a manutenção das barreiras e limites impostos por esse antigo e respeitável sistema. Um estorvo de somenos, como sabemos, facilmente contornável pela instituição do "voto castiço", distribuído pelas três castas de cidadãos.
Os terceirizados representam uma aporrinhação teórica mais séria. Onde inseri-los? Trabalham aqui, mas não "são" daqui. Para facilitar o reconhecimento, vestem-se com um uniforme berrante, para que o cidadão comum não incorra na invonveniência de lhes dizer um "bom dia" por engano. Também são "funcionários", pero no mucho, se me entendem. Se não me entendem, não façam muito esforço, pois a verdade é que isso, na prática, importa muito pouco. O problema, apesar de complicado, é simplesmente teórico, conforme anunciei acima. No frigir dos ovos, ninguém pensa nisso. Houvesse eleições livres dentro da RAB, não votariam, e pronto. Assunto encerrado.
Acomodadas as castas, por meio do voto castiço, e excluídos os "dalits" terceirizados, estaria aberto o caminho para eleições livres, democráticas e soberanas para a presidência da RAB, bem como para seu parlamento, conselho de anciões, ou coisa que o valha. É a velha bandeira de luta da comunidade, lembrada a cada ano nas já tradicionais invasões a botinadas feitas ao Palácio do Interventor nomeado pelo Governo do Estado.
Não vou discutir aqui o mérito da questão. Isso fica para outro post. Hoje, quero apenas lembrar o quanto esse formato "mitológico" da questão impede uma visão clara dos problemas efetivos envolvidos no atual processo de escolha do Reitor e na gestão da gigantesca e complexa estrutura burocrática da Universidade de São Paulo.
Alega-se, por exemplo, que o sistema atual não é "democrático", como se o Reitor da Universidade fosse uma espécie de "Presidente da República" (Autônoma do Butantã ), e o Conselho Universitário devesse se transformar numa espécie de "Parlamento". A defesa das eleições diretas (mas castiças, conforme já ficou dito) para Reitor pode sem dúvida ser feita, e eu mesmo darei em outros posts alguns argumentos nesse sentido. Mas é claro que isso não tem nada a ver com a defesa da "democracia", ou com a defesa de "valores democráticos" em geral. Isso é uma asneira sem tamanho. Alguém pode perfeitamente ser um democrata sem defender por isso eleições diretas para Reitor, para a presidência do Metrô, para a presidência da Petrobrás, ou sei lá o quê. Universidades não são republiquetas instaladas nos arrebaldes das metrópoles - vamos partir daí. São financiadas com dinheiro público, e devem, sim, satisfações à sociedade que as financia. Se há bons argumentos para a eleição do reitor, eles definitivamente não passam pela palavra "democracia".
Outra vítima da "mitologia da RAB" é a gestão. Os problemas específicos associados à gestão da universidade ficam de fora, como se fossem irrelevantes. Ficamos tão obcecados pela idéia de que a Universidade é um país em miniatura, que nos esquecemos de que ela é, antes de mais nada, uma estrutura estatal gigantesca que, como qualquer estrutura desse porte, tem que ser gerida profissionalmente. Tentem por um momento imaginar qualquer um dos reitores que passaram (e passarão) pela Universidade de São Paulo posto no comando de uma padaria de bairro. Seria um desastre, e não seria culpa deles. Quase nenhum professor universitário tem o conhecimento técnico e a experiência profissional necessária para gerir organizações complexas. É óbvio (para mim, pelo menos) que a discussão deveria separar, logo de início, o problema da gestão administrativa da Universidade (que pode perfeitamente ser entregue a técnicos recrutados no mercado) do problema da gestão acadêmica (que, esta sim, pode e deve ser conduzida por um professor que carregue consigo algum tipo de anuência prévia de seus pares).
O que venho chamando aqui (um pouco livremente) de "mitologia" é um esquema conceitual contrabandeado de um âmbito para outro, que acaba trancafiando toda a discussão nos limites de uma metáfora. O problema das mitologias não é apenas que elas sugerem falsas soluções - isso se corrige mais facilmente. Elas sugerem falsas perguntas. Mais ainda, elas nos impedem de fazer as perguntas relevantes em cada caso, levando-nos a perder um tempo imenso com inquietações de natureza puramente simbólica, que não nos levam a nenhum ponto diferente daquele do qual partimos. A única maneira de vencer uma mitologia é denunciando-a, expondo-a à luz do dia. Sua força vem sobretudo do fato de não ser confessada. Visível, ela tem sempre um aspecto um pouco ridículo, infantil, imotivado. Não precisa ser nem sequer ser combatida, pois acaba caindo de madura. Ela se parece com esses personagens de desenho animado que conseguem correr tranquilamente no vazio, até perceberem, de repente, que não têm chão nenhum embaixo dos pés. 

*Venho praticando a desobediência civil em relação à nova reforma ortográfica, conforme terão notado os leitores habituais do blog.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Trailer. A Floresta Encantada.


Até o final da tarde, um seminário sobre o Big Typescript com meus alunos. Depois, mais um post da série "Mitologias".

A greve enquanto símbolo. A Universidade enquanto miniatura. A refração generalizada transformando o campus numa floresta encantada. Os personagens oníricos da grande narrativa mítica. O pé imaginário palmilhando a estrada do desejo, mas dando um tropicão absolutamente real na pedra do mundo externo.

Vudu e revolução


Greves universitárias parecem seguir os preceitos gerais da magia homeopática. Segundo Frazer, o mago utiliza, nesses casos, a chamada "lei da similaridade". Infere que pode produzir qualquer efeito apenas pelo fato de imitá-lo cerimonialmente. Assim, por exemplo, se quero fazer as pessoas acordarem do sono dogmático induzido pela novela das nove, basta encenar uma revolta barulhenta em ponto menor dentro da universidade, catando o assunto que estiver dando sopa no momento.


Revoluções imensas, vocês sabem, nascem às vezes de incidentes triviais... A explicação, diria o mago, é a lei da similaridade. 

Frazer, em seu típico tom preconceituoso, zomba dessa lógica primitiva, dizendo que a magia é um "spurious system of natural law as well as a fallacious guide of conduct; it is a false science as well as an abortive art".

É fácil discordar dele quando pensamos em tribos africanas. Talvez tenha acertado na mosca, entretanto, quanto à magia praticada em certas tribos do Butantã.

Perguntinhas incômodas


Não é razoável pensar que alunos, professores e funcionários estejam divididos a respeito de temas polêmicos?

Com a resposta a esta questão ainda pulsando na memória, tente responder a esta outra:

Não é razoável pensar que a função desempenhada pelas assembléias seja exatamente a de forjar maiorias que não existem?

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Por que não?

Seria facílimo encaminhar votações eletrônicas se houvesse disposição de abrir mão do sagrado direito de falar em nome dos outros. A mecânica é simples:

1. A diretoria do centro acadêmico ou da associação de professores elabora uma pauta inicial de discussão.
2. Organiza-se uma semana de discussões presenciais e virtuais simultaneamente às aulas.
3. Ao longo dessa semana, a diretoria recolhe propostas de alteração de pauta, e faz as modificações que julgar necessárias, tendo em vista aprovar a pauta.
4. Põe a pauta em votação, por dois dias seguidos, na Internet. Se a diretoria não conseguir aprovar a pauta, terá que começar as discussões de novo, e criará um impasse. (A diretoria terá, enfim, que fazer força para não "errar a mão", ou ficará desmoralizada.)
5. Aprovada a pauta, marca-se o dia da votação final e tem início mais um processo de discussão, com os pontos da pauta afixados em todo o prédio e amplamente divulgados na Internet. Novamente, reuniões presenciais (simultâneas às aulas) e discussões nos fóruns.
6. Ao longo de dois dias seguidos, a votação virtual é feita, com quorum pré-determinado. Se menos de 70% dos estudantes ou professores votarem, nenhuma decisão QUE ENVOLVA A OUTRA PARTE (como greve) poderá ser tomada.

Qual é o problema?




Crítica da erupção pura

Somente em ocasiões excepcionais (digamos, a cada dez ou quinze anos) a maioria esmagadora dos alunos e professores estará unida em torno de uma causa.

Quando isso acontecer, ninguém cogitará em fazer piquetes de qualquer tipo. Eles serão desnecessários.

Normalmente, estaremos divididos - como estamos hoje. 

Quando isso acontece, é ilegítimo arrancar decisões em assembléias, e depois implementá-las revirando carteiras e invadindo salas de aula.

É simples assim.

Réplica

Fala-se de violência o tempo todo e enxerga-se violência por todo o lado. Aceita-se a violência como um dado, e justifica-se então o uso da violência "libertadora" contra a violência que "oprime" (ou seja, a que se dirige CONTRA eles). Quando confrontados com a possibilidade de uma violência adversa, recuam. "Ah, não. Violência contra assembléias, isso, não."

Convenhamos que assim é fácil. Vocês aceitam usar os instrumentos necessários para paralisar as aulas na marra, temperam a justificação do uso desses instrumentos com umas pitadinhas de Benjamin, Bourdieu e Derrida e, quando são confrontados com a possibilidade de receber o troco na forma de um apitaço que inviabilize suas assembléias, dizem que aí não, aí já não vale, peraí, vamos conversar. Ou bem vocês entram de uma vez na briga e reconhecem ao lado oposto o direito de usar exatamente os mesmos métodos e raciocínios que vocês estão usando, ou então cedem ao apelo de pessoas como eu, que estão pedindo a TODOS que recuem dessa escalada maluca de violência e estabeleçam regras mínimas de convívio dentro da universidade.

"Ah, não fizemos apitaço. Não foi nem mesmo invasão. Foi bate-papo." Sem essa, né? Foi invasão, sim, e tinha a finalidade de forçar a paralização das aulas. Não vamos brincar com as palavras. Eu caracterizei perfeitamente a lógica da ação de vocês. Calculam a menor violência necessária para que a aula não possa ser dada. Vai chegar a hora em que pessoas do outro lado (não eu, certamente) farão o mesmo cálculo que meus colegas estão querendo que vocês façam. É esse o resultado interessante? É essa a grande novidade? É essa a imagem que vocês querem esculpir? É essa a trilha que estão querendo abrir? Notaram a presença de um muro atrás do arbusto? Ou estão embriagados demais para fazer as perguntas relevantes?

Ah, mas eles fazem peguntas tão fundamentais! "Será que a violência não é justificada em determinados casos?" (Espanto no auditório.) Quando a pergunta foi dirigida a mim, não pude deixar de tomá-la num sentido quase pessoal. Será que , no final das contas, sou mesmo um legalista apegando-se ao "coringão" (obrigado, Tiago) do tal "Estado Democrático de Direito"? Olhem, não chego aos pés do Walter Benjamin, mas se querem discutir o que eu penso deveriam tratar de ler direitinho o que escrevo. Leram, por exemplo, o que eu disse sobre a Grécia? Ou só lêem aquilo que lhes interessa? Vou logo avisando. Será difícil arrancar declarações de fé em princípios abstratos da boca de um wittgensteiniano convicto, como eu. Até o assassinato é perfeitamente legítimo em determinadas circunstâncias. Democracia formal não é garantia prévia e absoluta para coisa nenhuma, e legitimidade é um jogo que precisamos ganhar no dia-a-dia - vale para pais e filhos, professores e alunos, patrões e empregados, governantes e governados. Não é necessário acreditar em essências para perceber que assembléias são uma fraude tanto na teoria quanto na prática.

Essencialista, eu? Essencialistas são vocês, que se refugiam na "legitimidade" das assembléias como se ela tivesse sido entregue diretamente por Deus nas mãos da diretoria do CA. Vamos esquecer Walter Benjamin e partir daquilo que está diante dos olhos de todos nós. Pelo menos metade dos alunos e professores desta Universidade NÃO RECONHECEM LEGITIMIDADE EM DECISÕES DE ASSEMBLÉIAS. Pelo menos metade dos alunos e professores desta universidade não vão a assembléias, não porque sejam "alienados", mas porque NÃO ACEITAM MAIS ESSE MÉTODO DE TOMAR DECISÕES COLETIVAS. Deixem de ser presunçosos. Vocês não são mais inteligentes, informados, ou "conscientes" do que essas pessoas que vocês chamam de "maioria silenciosa", achando que elas são simples joguetes inertes nas mãos de uma imprensa tendenciosa. Onde é que vocês estão com a cabeça? Onde é que vocês foram buscar uma autoimagem tão condescendente? O que lhes permite, a seus próprios olhos, estabelecer essa assimetria entre vocês, os iluminados, e o resto da humanidade, que chafurda na ignorância? Fiquem sabendo que, do outro lado, as pessoas pensam , têm opiniões, têm ideais e estão dispostas como vocês a abraçar lutas que não precisam necessariamente coincidir com as lutas que VOCÊS resolveram abraçar. Elas não são alienadas, nem conformistas. Não querem ser MANIPULADAS. Só isso.

É só em função desta crise de legitimidade de seus mecanismos de decisão que vocês têm que invadir salas, fazer apitaços e infâmias do mesmo tipo. Têm que compensar a legitimidade perdida com força bruta, mesmo quando ela vem travestida de um hipócrita pedido para "dar um recadinho para a classe". Recadinho para a classe uma pinóia, seus hipócritas. Estão ali para exercitar a empáfia, o sentimento de superioridade, a arrogância que os leva a se acreditarem uma raça superior, escudando-se em mecanismos de decisão imaginados sob medida para dar à truculência uns ares de respeitabilidade.

Não é a mim que vocês têm que enfrentar, enfim. É a vocês mesmos, e seu credo essencialista. É perfeitamente possível fazer discussões democráticas e submeter propostas à consideração de todos em eleições limpas, de que todos possam participar após um período de reflexão, sem o concurso daquelas pressões típicas de ambientes massificados. Não sou eu o formalista aqui. São VOCÊS. Vocês se apegam a fórmulas gastas, acreditando que a antiguidade as torna legítimas. Vocês se apegam a uma concepção esclerosada de democracia, e vivem dizendo que as coisas sempre foram assim e vão continuar sendo assim, pois é assim que elas devem ser, em nome do Pai, do Fiho, do Espírito Santo, amém. Seus colegas "alienados", "desinformados", "conformistas" estão querendo renovação, arejamento, ampliação de horizontes. São vocês que se trancaram num universo mitológico do século passado e pretendem impor pela força essa religião desbotada e CHATA ao resto da humanidade. Me poupem...