quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A greve como farsa. (1) Taxonomia básica.


Como funciona uma greve?

Depende.

No caso das greves usuais, há um conflito entre patrões e empregados a respeito, por exemplo, do valor do salário. Empregados querem receber mais, e os patrões se recusam a dar o aumento. Preferem empregar o dinheiro excedente (caso exista) de outra forma - investindo na empresa, ou simplesmente embolsando-o, na forma de lucro. Os empregados resolvem, então, paralisar a produção, afetando diretamente o bolso do patrão. O dinheiro pára de entrar. Ele é obrigado a negociar com os grevistas e, eventualmente, abrir mão de parte de seus lucros, ou adiar investimentos na empresa.

No caso das greves do fucionalismo público, as coisas são um pouco diversas. Há um conflito entre funcionários e Governo a respeito, por exemplo, do valor do salário. Os funcionários querem receber mais, e o Governo se recusa a dar o aumento. Prefere empregar o dinheiro excedente (caso exista) em outras coisas - contratar mais funcionários, ou então investir em saúde, educação, infraestrutura, etc. Os funcionários resolvem, então, paralisar os serviços. Isso não afeta, é claro, o orçamento do Governo, ou o bolso do governante de plantão. O dinheiro dos impostos não pára de entrar. O salário do Governador não deixa de ser pago. A paralisação afeta a população - doentes ficam sem médicos, crianças ficam sem aulas, o serviço de polícia é interrompido, e assim por diante. Os eleitores começam a chiar. O governador sente-se pressionado, então, a negociar e, eventualmente, adiar novas contratações e novos investimentos públicos para satisfazer os grevistas.

No caso das greves estudantis, as coisas são muito diferentes de tudo que você possa imaginar. Elas sempre envolvem um componente um pouco surreal. Funcionam do seguinte modo.

Os estudantes têm uma reivindicação. Querem a PM fora do campus, acham o preço do bandejão muito alto, são contrários ao ensino à distância, e assim por diante. O Governo, a Reitoria, ou ambos são contrários àquela reivindicação. Os alunos resolvem, então, paralisar o recebimento dos serviços. É isso, mesmo - não aceitam mais receber os serviços prestados pelo Estado. É o que corresponderia, no caso dos hospitais, a uma greve de doentes; no caso de aposentados, a uma greve de recebimentos ("Ninguém vai ao banco este mês!"); e assim por diante. A paralisação obviamente não afeta ninguém. Uma greve de estudantes é simplesmente lacrimogênea, e provoca no máximo efeitos morais. Não chega nem mesmo a ser bala de borracha. É bala de festim - só faz barulho. Por isso mesmo, pode se estender por meses a fio, e costuma ser reforçada por invasões de prédios e outras ações espalhafatosas. Eventualmente, a situação começa a pegar mal para o Governo. Se a população tem simpatia pelas reivindicações, é possível que o governante tente atender a uma ou duas reivindicações para que a moçada deixe de produzir cenas incômodas nos telejornais. Se a população tomou-se de raiva pelos estudantes; se existe, enfim, o sentimento difuso de que "esses vagabundos merecem mesmo é uma boa coça", o Governador pode concluir que já é hora de enviar a tropa de choque para resolver a parada. O importante é que, no final da história, ele consiga ficar bem na foto. Por via de regra, consegue.

A greve de funcionários públicos tem um componente claramente imoral. Usa a dor causada na população como moeda de troca em negociações salariais. A greve de estudantes, não. Ela nada tem de imoral. É um pouco ridícula, mas não passa disso. Seu objetivo, como vimos, é simplesmente criar uma situação inusitada, que atraia a atenção da mídia. (Vir pelado à Universidade surtiria basicamente o mesmo efeito.) Suas reivindicações, por via de regra, ficam no limite da compreensibilidade. A população mal consegue entender pelo que se está lutando. Numa palavra, é um zero à esquerda. Por que, então, ela é vista como um bem tão precioso por determinados setores dentro e fora da universidade?

Porque ela é um símbolo de si mesma.

É o que veremos no post de amanhã.

8 comentários:

  1. João,
    Uma pequena dúvida. Greve de estudante abona falta? Se não, a solução é simples. Passou do limite de faltas, roda por frequência.

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  2. Saucedo,

    O pior é que nunca, em tempo nenhum ameacei prejudicar um aluno da forma que fosse porque estivesse participando de uma greve. Pelo contrário. Os prazos para entrega de trabalho eram flexibilizados, os conteúdos dados no curso durante a greve não eram considerados para efeito de avaliação, e assim por diante. O troco eles davam com piquetes, invadindo minhas aulas e forçando a interrupção do curso. Durante anos aguentei silenciosamente essa prática nojenta. Durante anos fiquei quieto, enquanto colegas meus incentivavam esse tipo de ação da forma mais explícita. Chega. Metade dos alunos e professores NÃO concorda com esse tipo de coisa. Agora, vem da lá, vai de cá também. Chumbo trocado não dói. Ou, se doer, vai doer no lombo dos dois. Bater, nós também sabemos. E bem.
    Abraço, companheiro. Saudade.

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  3. Parece que ontem foi decidido (pelos alunos de filosofia em assembléia) pelo fim da greve! Agora são férias... talvez no semestre que vem uma nova mobilização...
    Espero sinceramente que esse blog tenha tido algum efeito ao menos nas discussões das pessoas envolvidas com o "movimento!

    X-Ray

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  4. Também espero, X-Ray. O blog tem uma média de 200 acessos diários. É mais do que eles conseguem reunir nas naus concorridas assembléias. Há muita gente inconformada com a introdução da violência nas manifestações políticas. Há muita gente que não aceita mais isso, e que está disposta a LUTAR para que isso tenha fim.

    O blog entrará em recesso dentro de mais alguns dias, mas retornará sempre que houver novas ameaças de violência no horizonte.

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  5. Apreciei bastante o texto e concordo com o ponto de vista defendido. A 'greve estudantil' como "símbolo de si mesma", eis uma boa síntese. Como professor vejo esta situação de 'greve estudantil' como uma coisa bem esquisita, quase surreal. Tomemos o caso atual da Filosofia, saindo de uma greve que agora já não se diferenciaria das... férias! Não entendo a viagem desta rapaziada, mas eu sou péssimo psicólogo. De toda forma, para simplificar, adotei por princípio o que me parece normal: manter as aulas, com a verificação de frequência (que sempre faço), e as eventuais avaliações agendadas. Sempre tem o stress dos piquetes ou ameaças de. Mas fazer o quê? tenho que cumprir minha parte do contrato com a Universidade (pública) que me paga, e honrar o compromisso com aqueles estudantes (em geral, a metade mais sensata...) que prefere a vida normal. Também opto por "debater" o mínimo possível com a 'outra parte'. Entendo que meu contrato me vincula formalmente apenas às instâncias superiores da Universidade (diretores, coordenadores, etc). Se alguém pedir minha opinião (em geral não ocorre, o que no fundo até lamento...) darei, mas em um foro adequado, de conversa, não de "debate de posições": não tolero cobranças moralistas, destas em que se invocam as grandes palavras, no fundo vazias, da vitimização. E para quê discutir com exaltados e fanáticos? Enfim, deviam sempre mandar um batalhão de psicólogos, junto com a Tropa de Choque... E, para os docentes, as direções do Instituto deviam fornecer apoio jurídico (falo sério agora), garantindo o direito ao trabalho, mobilizando, se necessário, advogados que possam fornecer habeas corpus, mandados de injunção ou o que quer que seja preciso (não entendo destes formalismos, por isto precisamos apoio técnico legal). Tudo isto para que possamos... dar aulas. Ass. Anônimo Veneziano (entreguei a idade).

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  6. Caro Veneziano,
    ouvi vários alunos falando em consultar advogados (professores, não sei). Acho que vai ser o desdobramento dos eventos, quando acontecer de novo (semestre que vem?). Parece que muita gente não vai mais aceitar esses episódios de greve que implicam dissolver o ambiente acadêmico (e de forma muitas vezes violenta, como tem insistido o professor Vergílio) apenas para marcar uma indignação dispersa diante de questões bem complexas e cuja resolução às vezes está até fora da vista (fora Reitor??). Se os piqueteiros forem processados, então acho que entraremos numa fase diferente de encarar essa estranha tradição da FFLCH...
    Vamos ver...

    X-Ray

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  7. Discurso óbvio, mas mesmo o óbvio tem algo a dizer, nas entrelinhas. Basta dizer, de modo sincero, claro, sem simulações, que é contra a greve...

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  8. 2014... e tudo continua exatamente como 2011!!! A quem beneficia mediocrizar os cursos da FFLCH? Porque é só esse o resultado inquestionável dessas greves imbecis. Eu não entrei na Filosofia para fazer um curso medíocre. EU NÃO VOU FAZER UM CURSO MEDÍOCRE.

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