sábado, 10 de dezembro de 2011

A greve como farsa. (4) Fórceps ideológico.


Explicitemos de uma vez a pergunta mais incômoda. "Sem as assembléias, seria possível obter os mesmos efeitos? Seria possível "mobilizar" os estudantes? Seria possível organizar greves todos os anos?"

A resposta, não menos incômoda, é também muito simples: "Obviamente não!"

Reciocine comigo. É razoável pensar que toda a FFLCH una-se ano após ano em torno da agenda de lutas proposta pelo movimento estudantil? Imagine que isso de fato acontecesse espontaneamente em algum lugar. Imagine que, diante de assuntos polêmicos, que dividem as opiniões em toda a sociedade, os estudantes de uma certa faculdade sempre reagissem de maneira praticamente unânime. Há bons argumentos favoráveis, por exemplo, ao ensino à distância. E há bons argumentos contrários. Se você tomar qualquer amostra de pessoas minimamente informadas sobre o assunto, constatará a existência de uma divisão. Nessa faculdade, porém, isso não aconteceria. Quase todos os alunos seriam contrários ao ensino à distância, e se disporiam a paralisar as aulas e sair às ruas para combater essa idéia.

O mesmo aconteceria, tempos depois, com o problema da presença da PM dentro do campus. Outro assunto polêmico, que divide as opiniões dentro e fora da Universidade. Nessa curiosa faculdade, porém, haveria uma surpreendente unanimidade. Todos (ou quase todos) não só achariam que a PM deve dar o fora, como também paralisariam espontaneamente as aulas em sinal de protesto. 

A repetição sistemática do fenômeno levaria muitas pessoas a perguntarem - "Afinal de contas, o que acontece de tão estranho nessa faculdade? Por que esses alunos são levados, contra todas as probabilidades, a reagir sempre de maneira unânime, e sempre numa direção previsível? Se nem mesmo na torcida do Corinthians há unanimidade sobre todos esses assuntos, por que raios esse agrupamento humano reage sempre de forma tão coesa?"

Seria um enigma se fosse espontâneo. No caso da FFLCH, não é. A unanimidade em torno desses assuntos simplesmente não existe. É falsa, é fabricada, é arrancada a fórceps por meio de assembléias sabidamente manipuladas. A última greve, por exemplo, foi "decretada" por pouco mais da metade das pessoas presentes a uma assembléia que reunia... 80 alunos. A classe noturna do primeiro ano, para a qual dei aula neste semestre, é mais numerosa. "Ah, mas se as pessoas discordam, basta descer e votar." Uma pinóia. Há uma percepção generalizada (e, na minha opinião, perfeitamente justificada - basta ver o vídeo que postei há alguns dias) segundo a qual esse é um jogo de cartas marcadas. Perdida uma votação na quarta, realiza-se outra (devidamente maquilada) na segunda ou terça-feira seguinte. Convocam-se os reforços de sempre, e a decisão é enfiada goela abaixo de toda a Faculdade por meio de piquetes, cadeiraços, apitaços, invasões de sala e pequenas (mas eficazes) violências do mesmo gênero.

Não é à toa que a maioria das pessoas não reconhece nenhuma legitimidade nessa pilantragem explícita. Não vão às assembléias, não porque sejam "alienadas", "desinformadas", "conformistas", etc. Essas pessoas interessam-se, sim, por política. Discutem apaixonadamente os mesmos assuntos que são discutidos nas assembléias. Participam ativamente de redes sociais, dando suas opiniões e se expondo ao contraditório. São inteligentes, articuladas, preocupadas com a universidade e com o país. Não participam de assembléias porque não querem se transformar em massa de manobra. Só isso. Não querem emprestar legitimidade a um mecanismo sabidamente viciado. Diante da violência dos colegas, vêm se calando - mas irão se calar cada vez menos! Há uma fortíssima tensão entre os estudantes que, se não for reconhecida em toda a sua extensão, acabará explodindo um dia. 

Sem as assembléias, continuará havendo "coesão" em torno da pauta de "lutas" do movimento estudantil? Mas é óbvio que NÃO. Nem poderia haver. Uma vez a cada dez ou quinze anos surgirá um assunto que une estudantes, funcionários e professores, e eventualmente isso resultará em um movimento reivindicatório. Isso é normal. Qualquer coisa diferente disso é artificial, mentirosa, fake. Unanimidades anuais só surgem na FFLCH por conta de dois fatores combinados: assembléias manipuladas e piquetes violentos. 

É contra essa combinação maluca e autoritária que eu escrevo.

Um comentário:

  1. Boa tarde Professor Vergílio, como vai? Sou estudante de Ciências Sociais, mas sou da UNIFESP, a EFLCH do campus Guarulhos (que agora tem ganhado espaço na mídia depois dos últimos episódios com PM invadindo o campus).
    O contexto é muito parecido com o da FFLCH na USP, se não ainda pior. Somos um campus novo, que tem apenas 5 anos de existência, cheio de problemas estruturais que são um prato cheio para tais manifestações, assembleias e violência com piquetes para professores e alunos.
    Gostaria de saber se pode nos ajudar com alguma orientação? Uma aula pública, uma palestra, algo assim?

    Meu nome é Vinícius.

    meu email é zaifonvias@gmail.com

    Grato pelo espaço.

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