quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Réplica

Fala-se de violência o tempo todo e enxerga-se violência por todo o lado. Aceita-se a violência como um dado, e justifica-se então o uso da violência "libertadora" contra a violência que "oprime" (ou seja, a que se dirige CONTRA eles). Quando confrontados com a possibilidade de uma violência adversa, recuam. "Ah, não. Violência contra assembléias, isso, não."

Convenhamos que assim é fácil. Vocês aceitam usar os instrumentos necessários para paralisar as aulas na marra, temperam a justificação do uso desses instrumentos com umas pitadinhas de Benjamin, Bourdieu e Derrida e, quando são confrontados com a possibilidade de receber o troco na forma de um apitaço que inviabilize suas assembléias, dizem que aí não, aí já não vale, peraí, vamos conversar. Ou bem vocês entram de uma vez na briga e reconhecem ao lado oposto o direito de usar exatamente os mesmos métodos e raciocínios que vocês estão usando, ou então cedem ao apelo de pessoas como eu, que estão pedindo a TODOS que recuem dessa escalada maluca de violência e estabeleçam regras mínimas de convívio dentro da universidade.

"Ah, não fizemos apitaço. Não foi nem mesmo invasão. Foi bate-papo." Sem essa, né? Foi invasão, sim, e tinha a finalidade de forçar a paralização das aulas. Não vamos brincar com as palavras. Eu caracterizei perfeitamente a lógica da ação de vocês. Calculam a menor violência necessária para que a aula não possa ser dada. Vai chegar a hora em que pessoas do outro lado (não eu, certamente) farão o mesmo cálculo que meus colegas estão querendo que vocês façam. É esse o resultado interessante? É essa a grande novidade? É essa a imagem que vocês querem esculpir? É essa a trilha que estão querendo abrir? Notaram a presença de um muro atrás do arbusto? Ou estão embriagados demais para fazer as perguntas relevantes?

Ah, mas eles fazem peguntas tão fundamentais! "Será que a violência não é justificada em determinados casos?" (Espanto no auditório.) Quando a pergunta foi dirigida a mim, não pude deixar de tomá-la num sentido quase pessoal. Será que , no final das contas, sou mesmo um legalista apegando-se ao "coringão" (obrigado, Tiago) do tal "Estado Democrático de Direito"? Olhem, não chego aos pés do Walter Benjamin, mas se querem discutir o que eu penso deveriam tratar de ler direitinho o que escrevo. Leram, por exemplo, o que eu disse sobre a Grécia? Ou só lêem aquilo que lhes interessa? Vou logo avisando. Será difícil arrancar declarações de fé em princípios abstratos da boca de um wittgensteiniano convicto, como eu. Até o assassinato é perfeitamente legítimo em determinadas circunstâncias. Democracia formal não é garantia prévia e absoluta para coisa nenhuma, e legitimidade é um jogo que precisamos ganhar no dia-a-dia - vale para pais e filhos, professores e alunos, patrões e empregados, governantes e governados. Não é necessário acreditar em essências para perceber que assembléias são uma fraude tanto na teoria quanto na prática.

Essencialista, eu? Essencialistas são vocês, que se refugiam na "legitimidade" das assembléias como se ela tivesse sido entregue diretamente por Deus nas mãos da diretoria do CA. Vamos esquecer Walter Benjamin e partir daquilo que está diante dos olhos de todos nós. Pelo menos metade dos alunos e professores desta Universidade NÃO RECONHECEM LEGITIMIDADE EM DECISÕES DE ASSEMBLÉIAS. Pelo menos metade dos alunos e professores desta universidade não vão a assembléias, não porque sejam "alienados", mas porque NÃO ACEITAM MAIS ESSE MÉTODO DE TOMAR DECISÕES COLETIVAS. Deixem de ser presunçosos. Vocês não são mais inteligentes, informados, ou "conscientes" do que essas pessoas que vocês chamam de "maioria silenciosa", achando que elas são simples joguetes inertes nas mãos de uma imprensa tendenciosa. Onde é que vocês estão com a cabeça? Onde é que vocês foram buscar uma autoimagem tão condescendente? O que lhes permite, a seus próprios olhos, estabelecer essa assimetria entre vocês, os iluminados, e o resto da humanidade, que chafurda na ignorância? Fiquem sabendo que, do outro lado, as pessoas pensam , têm opiniões, têm ideais e estão dispostas como vocês a abraçar lutas que não precisam necessariamente coincidir com as lutas que VOCÊS resolveram abraçar. Elas não são alienadas, nem conformistas. Não querem ser MANIPULADAS. Só isso.

É só em função desta crise de legitimidade de seus mecanismos de decisão que vocês têm que invadir salas, fazer apitaços e infâmias do mesmo tipo. Têm que compensar a legitimidade perdida com força bruta, mesmo quando ela vem travestida de um hipócrita pedido para "dar um recadinho para a classe". Recadinho para a classe uma pinóia, seus hipócritas. Estão ali para exercitar a empáfia, o sentimento de superioridade, a arrogância que os leva a se acreditarem uma raça superior, escudando-se em mecanismos de decisão imaginados sob medida para dar à truculência uns ares de respeitabilidade.

Não é a mim que vocês têm que enfrentar, enfim. É a vocês mesmos, e seu credo essencialista. É perfeitamente possível fazer discussões democráticas e submeter propostas à consideração de todos em eleições limpas, de que todos possam participar após um período de reflexão, sem o concurso daquelas pressões típicas de ambientes massificados. Não sou eu o formalista aqui. São VOCÊS. Vocês se apegam a fórmulas gastas, acreditando que a antiguidade as torna legítimas. Vocês se apegam a uma concepção esclerosada de democracia, e vivem dizendo que as coisas sempre foram assim e vão continuar sendo assim, pois é assim que elas devem ser, em nome do Pai, do Fiho, do Espírito Santo, amém. Seus colegas "alienados", "desinformados", "conformistas" estão querendo renovação, arejamento, ampliação de horizontes. São vocês que se trancaram num universo mitológico do século passado e pretendem impor pela força essa religião desbotada e CHATA ao resto da humanidade. Me poupem...

10 comentários:

  1. É exatamente isso! Eles falam das Assembleias com esse tom religioso, totalmente afastado da realidade. Basta olhar para o lado! Pelo menos metade da USP não reconhece legitimidade no processo decisório atual. Se a Assembleia é uma Idéia na mente de Deus pouco me importa. Chega disso!Aliás, já que eles gostam tanto da religião dos anos 60, aí vai uma ordenança divina: É preciso nascer de novo. Que venham novos ares!

    Lessandro Costa

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  2. Parabéns pelo texto, mais uma vez acertando na mosca!
    O duro é saber, de antemão, que eles vão continuar lendo o que interessa, interpretando como querem, impondo sua vontade ultra-qualificada e superior às demais. Aliás, é exatamente esse sentimento de superioridade que faz com que eles se sintam no direito de falar por todos, e de desprezar (porque é isso o que eles fazem) qualquer um que discorde deles.
    O André pelos menos se esforçou para articular as ideias. A maior parte deles, nem isso. Partem de cara para a ofensa. O que é particularmente vergonhoso quando vindo de estudantes de filosofia...

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  3. Eu faço um apelo pelo bem da prática democrática. Caso essa maioria, que é virtual ainda, posto que não a conhecemos, queira sim levantar-se contra a Assembleia, peço encarecidamente que vá à próxima assembleia e deslegitime-a por ela mesmo. "Como assim?", para ter renovação política e de mobilização, não podemos simplesmente desvelar modos democráticos sem discussão efetiva. (O que o professor propõe é isto: um dogma em troca de outro, é preciso antes ver se isto realmente funciona.) Acho que o professor erra em se revoltar tanto contra ela. Eu mesmo sou um dos defensores das atitudes não viciadas, e o professor ao proferir defesas à aula e sua condição sacra, muito me estranha.

    Não foi disso, no entanto, que vim cá tratar: Peço a todos que puderem mostrar a assembleia que ela é ilegitima que vão e mostrem-na, por favor. Precisamos parar de contar com a proteção paterna do professor que foi um dos poucos a se pronunciar sobre o assunto.(Agradeço muito pelo debate que o professor despertou) Vamos tirar agora esta tutela do Dr Cutter, um wittgensteiniano convicto. Vamos nós mesmo fazer nosso tempo, como ele mesmo nos sugeriu.

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  4. Gostaria apenas de chamar atenção para dois aspectos que, acredito, são questionáveis na posição do professor João Vergílio e de alguns colegas.
    O primeiro é a tendência a generalizações, muitas vezes indevidas. Conheço André e outros que têm participado mais ativamente do que eu das discussões. Algumas das afirmações feitas em relação aos "VOCÊS" e ao "eles" dos textos não parecem se aplicar minimamente. É o caso de: "São vocês que se trancaram num universo mitológico do século passado e pretendem impor pela força essa religião desbotada e CHATA ao resto da humanidade." Me pareceu que nesse momento, como em outros, houve distorção da postura dos demais, reduzida a uma fantasmagoria, de fato mais fácil de exorcizar. Por esse motivo é que, tendo em vista sua qualidade, o texto de André foi apontado como exceção. Não seria razoável tomar essa qualidade, aparentemente inesperada, como indício de que está faltando informação sobre as ideias e sobre as pessoas "do outro lado"?
    O segundo aspecto é o tom de alguns trechos do professor. Não li todos os posts, mas desde o início admirei a qualidade deles, bem como a proposta do blog. Impossível igualmente não reconhecer seu direito de colocar-se contra os piquetes, decidir dar suas aulas normalmente, etc. Mas, em certos momentos, me incomodou uma postura de quase dizer aos alunos o que devem ou não fazer. Por exemplo, no final de um outro post (e não estou ignorando o humor, que aliás admirei nos posts): "Ou essa moçada desce do sonho e troca essa revolta em miúdos, ou é melhor mesmo que acendam um baseado e fiquem curtindo sua viagem em paz." Todo apoio a que se estimule o debate e se busquem alternativas para o bem da universidade, mas, em passagens assim, talvez pelo calor do momento, o professor perde a mão e a razão.

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  5. O que acho interessante no comentário do Felipe Leal é: sentiu-se como agressão ('o professor perdeu a mão e a razão') uma alusão provocadora, feita em um contexto de debate polêmico (como o proposto pelo professor); da mesma fora, quem se vê tolhido por um cadeiraço sente-se também agredido. Também não: muito mais.

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  6. Caio,

    Não tenho a menor pretensão de tutelar ninguém. Faço aqui o que outros professores estão cansados de fazer em suas aulas ao ar livre. Chega de apanhar calado. Todo ano é a mesma coisa.

    De mais a mais, o problema não é só dos estudantes. É dos professores, também. Ou você acha que nossas "assembléias" são preferíveis?

    Vocês, pelo menos, discutem o problema. Nòs, nem isso.

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  7. Felipe,

    Em grande parte, você tem razão. Há uma visão estereotipada de parte a parte, e temos que ir vencendo isso aos poucos. Acontece que quase todos os anos a mesma situação se repete, com graus variáveis de insolência. É fácil ficar calmo quando se está do outro lado. Quem bate logo esquece. Quem apanha, não.

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  8. Leitura básica para os estudantes de Filosofia.
    De Platão:
    1. "Apologia de Sócrates": o filósofo é condenado por uma 'assembleia' democrática.
    2. "Criton". O filósofo se submete às leis da cidade, quando seria fácil (e mesmo 'justo', para alguns), fugir dela, e delas.

    Leitura complementar: Luciano Cânfora, "Um ofício perigoso". Sobre os filósofos gregos e a impossibilidade da vida filosófica como "vida fácil"... (isto é, quem quer filosofar "de verdade" longe das aulas não pede para o professor facilitar as coisas para ele...)
    Ass.: Anônimo Veneziano

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  9. "Anônimo": não tirei a razão de quem se sente assim. Apenas acho que a gente, como aluno, deve defender nossa autonomia de decisão, mesmo respeitando os professores. E tentei fazer isso sem ser injusto, dizendo meu nome e minhas razões.

    Professor Vergílio: imagino mesmo que sua postura não tenha brotado do nada, e de toda forma admiro a disposição de abrir o debate, de maneira franca, com perda de calma e tudo...

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  10. Felipe: achei justo seu comentário. Ressaltei apenas como, a partir dele, é possível ver que uma violência mínima (um tom mais duro) pode ser sentida, pelo outro lado, como significativa, isto é, como violência. E aí pode começar a bola de neve; aí pode começar a periclitar o debate... Não é para vc, mas para os que defendem apitos e cadeiraços: imaginem, a partir disto, como se sentem os que estão do outro lado, isto é, professores como eu e o João. ass: o anônimo (sim, tenho medo dos linchamentos virtuais e reais).

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